Em Março de 2021 “ressuscitaram” um relatório a que deram o nome “Relatório da comissão de averiguação de violências sobre presos sujeitos às autoridades militares”.
A peça encontrava-se numa gaveta presidencial desde 1976 com o rótulo de “secreto” e o Sr. Presidente da República, Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, resolveu pô-lo ao léu.
É curioso que numa altura em que vivemos uma época em que as forças fascistas se estão a reorganizar proliferem uma série de manobras comunicacionais tendentes a pôr em causa os valores que habitualmente a esquerda adopta, contrapondo acontecimentos, homenagens e comentários panfletários tão gratos às direitas, tentando varrer para debaixo do tapete a sujidade acumulada pelo regime fascista ao longo dos anos.
Ligado a Março está o fracassado golpe das Caldas mas também o famoso golpe spinolista que no seu desenvolvimento pregou um grande susto aos “democratas” e direitistas aliados ao grande capital nacional e estrangeiro.
No 11 de Março de 1975 Spinola tenta perpetrar um golpe de estado militar a pretexto de “uma ameaça comunista” e foge para Espanha roubando um helicóptero à FAP. Mais tarde (1981), viria a ser promovido a marechal pelo chefe militar do 25 de Novembro de 1975, General Ramalho Eanes, quando era Presidente da República. Onde andará o “relatório” sobre estes crimes branqueados?…
Recordando:
“Em Aveiro, são destruídas e saqueadas as sedes do PCP e da União dos Sindicatos. Do recinto de uma fábrica abandonada lançam-se cocktails molotov ao edifício dos comunistas onde se encontram mulheres e crianças. Cai morto o soldado Eugénio Neves, 22 anos mas a bala fica órfã. Uma criança é atingida ao de leve nas costas. A exaltadíssima turba da refrega inclui a nova união nacional: ex-dirigentes do partido único da ditadura, advogados do CDS, agitadores do MRPP e elementos do quase desconhecido ELF. Não confundir com o ELP. Trata-se do Exército de Libertação de Fermentelos, versão alcoolizada e de paródia do terrorismo de província, onde grupos de amigos se divertem a cortar a luz às sessões do PCP, intimidam militantes e bebem uns copos à custa disso. Atrás do pano, consta que a temperatura política é esquentada pelos donos da fábrica Vulcano.
No país acima do Ribatejo, a coutada unirá, durante meses, populações alarmadas e manipuladas, emigrantes, agricultores, industriais na sombra, sacerdotes, grupelhos radicais de direita, retornados, ex-«pides», antigos legionários e velhos dirigentes do partido único de Salazar e Caetano. PS, PPD e CDS não erguem ferro, mas atiçam o fogo. Rio Maior, diz Mário Soares, «é um exemplo que pode ser seguido noutras regiões». O fósforo é socialista.
Declara-se aberta a época da «caça aos comunistas».
Os autos de fé, com mortos e feridos de parte a parte, geram uma escalada dantesca: em pouco tempo, mais de cem sedes de partidos de esquerda, a esmagadora maioria do PCP, são assaltadas, incendiadas e destruídas. Automóveis, escritórios de advogados, consultórios e casas de militantes também entram na fornalha. Livrarias e cafés de figuras de esquerda são apedrejados. Os militares chegam tarde, quase sempre. Quando chegam. Tiros, matracas, bastões cruzam-se. PSP e GNR fazem vista grossa e orelhas moucas, deixando arder, deixando bater.
E extrema-direita beligerante organiza-se a partir de Madrid. Spinola é o líder espiritual e os financiamentos surgem, sobretudo, por conta dos bons préstimos de senhores do tempo da outra senhora. No território, atuam grupos organizados, munidos de um cocktail refinado de armas e bombas. Dizem-se patriotas e defendem uma única saída: «Reagir pela violência e preparar o País para a guerra», escreve Paradela de Abreu, operacional da cruzada. Galvão de Melo, deputado do CDS e antigo membro da Junta de Salvação Nacional, escolhe: «Entre uma guerra civil e um governo comunista de obediência ao estrangeiro, prefiro uma guerra civil», afirma, disposto a chefiar «um levantamento popular». Com a moca de Rio Maior na mão dirá: «É preciso empurrar os comunistas até ao mar… e deixar que eles se afoguem.»
A hierarquia da Igreja mobiliza-se em todos os distritos a Norte.
Após 48 anos em silêncio a abençoar a nacional união, decide ter voz: organiza «manifs» de apoio aos bispos em nome da liberdade e da democracia, com o caso da ocupação da Rádio Renascença em fundo. Para o catolicismo ultramontano, comunismo é tudo. E tudo é PCP. Na contenda, não se distinguem tonalidades nem pinta.
Braga, onde a Primeira República morreu a parir uma ditadura, é o quartel-general da conspiração de batina. D. Francisco Maria da Silva, arcebispo, benze a causa. O cónego Eduardo Melo organiza o rebanho e abençoa as mãos que carregam as bombas, diz-se. Ele nem às paredes confessa. De missa em missa, de aldeia em aldeia, a mensagem passa «os comunistas vêm aí para levar as crianças, ocupar as terras, dar uma injecção atrás da orelha aos velhinhos.”
(In “Quando Portugal Ardeu” de Miguel Carvalho)
Já depois do golpe de estado de 25 de Novembro de 1975, os crimes da direita fascista continuaram. Um dos mais escandalosos foi o assassinato do padre Max na Cumieira em 2 de Abril de 1976. É fácil perceber onde é que a tal “normalização democrática” queria chegar. Um conjunto de forças civis e militares de centro-direita pretendia implantar um “Estado democrático” capturado por interesses económicos e susceptível de ser manipulado e corrompido pelas corporações, seitas e outras organizações ligadas à finança nacional e internacional. É o que temos hoje com toda a hipocrisia beática dos principais protagonistas.
Ainda sobre um dos nomes citados no livro de Miguel Carvalho:
Testemunho pessoal: Quando, logo após o 25 de Abril, me encontrava a trabalhar no Bloco Editorial Expresso, já desaparecido como consequência da luta de interesses variados à volta do “negócio” da edição e distribuição livreira, vivi esse desaparecimento, ficando no desemprego.
Como pertencia à Comissão de Trabalhadores acompanhei as várias fases do processo.
Foi então que conheci, como director, o Sr. Paradela de Abreu, que entre muitas coisas, foi combatente da Legião Estrangeira, o que aliás estava dentro das suas qualidades de aventureiro. Recordo que numa reunião da CT foi comentado que o Sr. Paradela de Abreu teria tido o descaramento de apresentar uma nota de despesa sem justificação documental com a seguinte descrição: 100 contos com gastos em despesas no hotel e lâminas para a barba.
Fica o registo que ilustra bem o carácter do “exército” que tentou assaltar o poder em Portugal no 11 de Março e que depois o concretizou no 25 de Novembro de 1975.
Boa Jaime, é preciso relembrar para não ser esquecido!