Não encontro melhor forma de homenagear o camarada e amigo Américo Duarte do que socorrer-me duma memória marcante na nossa vida: A primeira intervenção na Assembleia Constituinte por um deputado que, como um grito de alerta, lançava o aviso para os caminhos perigosos que se iriam percorrer na construção que se queria duma democracia autêntica e de “tipo novo”!
Américo Duarte intervindo na Assembleia Constituinte em 1975
Texto lavrado no “Diário da Assembleia Constituinte” da Sessão N. 1 de 3 de Junho de 1975, que rezava assim:
“… O Sr. Presidente: – Estamos, como todos sabem, numa situação interina, e por consequência temos, penso eu, que passar o mais rapidamente que nos seja possível para uma situação normal.
A operação que se segue agora é, obviamente, a da verificação de poderes. O nosso regimento provisório diz que a Assembleia deve tomar uma deliberação sobre a composição dessa Comissão, destinada a verificar os poderes dos Srs. Deputados e a recolher qualquer reclamação que porventura possa haver, e sobre a maneira de actuar dessa mesma Comissão. Portanto, eu dou a palavra a algum Deputado que queira fazer uma proposta sobre a actuação e composição da referida Comissão.
O Sr Américo Duarte (UDP): – Peço a palavra.
O Sr. Presidente: – Faça favor.
O Sr. Américo Duarte:- Sr. Presidente…
O Sr. Presidente: – Desculpe interromper. É só para dizer que neste momento agradecia que se cingisse ao problema da composição e actuação da Comissão de Verificação de Poderes.
O Sr. Américo Duarte: – É exactamente sobre esse ponto da ordem de trabalhos que eu me vou pronunciar.
O Sr. Presidente: – Muito bem!
O Sr. Américo Duarte: – Sr. Presidente, Srs. Deputados.
Pensamos ser breves na apresentação das propostas que queremos pôr à discussão desta Assembleia Constituinte, dentro deste ponto da ordem de trabalhos que diz respeito à composição e actuação da Comissão de Verificação de Poderes.
A missão desta Constituinte é elaborar uma Constituição que deite pela porta fora a que vigorava no tempo do terror fascista. Temos, portanto, por dever para com todo o povo português, de elaborar uma Constituição democrática que garanta toda a liberdade para o povo se organizar e lutar, e que retire todas as liberdades aos fascistas. Temos que acabar com a anterior Constituição fascista.
A nossa primeira questão diz respeito à constituição da Comissão de Verificação de Poderes. A UDP considera este assunto da máxima importância. Pensamos que o trabalho dessa Comissão não se pode restringir a ver se o Sr. Deputado tal ou tal é ele próprio ou não, se o cartão de identidade está em ordem ou não. Essa Comissão, seguindo o princípio de que a nossa tarefa deve ser enterrar a Constituição fascista e construir uma antifascista, deverá verificar se entre os Deputados aqui presentes existem elementos responsáveis na elaboração da legislação fascista das anteriores Assembleias Nacionais do anterior regime ou responsáveis por actividades fascistas.
É neste sentido que uma das propostas que pomos à vossa consideração define que a actuação da Comissão de Verificação de Poderes deverá ser a verificação da responsabilidade que todos os Deputados que ontem se sentaram na antiga Assembleia fascista e hoje estão aqui sentados tiveram na feitura de leis fascistas.
Outra proposta define que não possam ser eleitos para essa Comissão todos os Deputados que tenham pertencido a qualquer das Assembleia Nacionais fascistas.
E porque é que fazemos esta proposta?
O povo português tem os olhos postos nesta Assembleia. Espera que dê amplas liberdades ao povo, de forma que este possa arrancar, sem qualquer empecilho no esmagamento total da fera fascista, que impeça os fascistas de se organizarem em partidos, que imponha as penas mais severas para todos os que participaram na repressão fascista e que colaborem em golpes fascistas.
Por outro lado, a UDP tem afirmado claramente que estão aqui nesta Assembleia partidos fascistas, ou que se acoitam fascistas no seu seio, contra os quais já várias vezes o povo se manifestou.
Foi a partir deste facto que tentámos investigar a actividade política de alguns Deputados desta Assembleia, principalmente daqueles para quem esta Casa não é nova, pois já aqui estiveram sentados no tempo do fascismo.”
Em 2016 Américo Duarte recebeu a distinção de Deputado Honorário Constituinte.
Em 1975 foi o primeiro deputado a intervir na Assembleia Constituinte.
Esta é uma homenagem a quem nunca se serviu da política em benefício próprio e que sempre foi fiel aos princípios porque lutou: A luta contra a exploração e a injustiça!